Meu luto e o deserto
31/10/2020Essa tal felicidade.
04/01/2021O amor que transforma a dor
O luto é um processo, aprendi quando comecei a frequentar os grupos de apoio, um processo que não é simples, não é uma reta, ele é cheio de curvas, de obstáculos, que cansa muito, então as vezes é preciso dar uma pausa, tem horas que ao invés de ir para frente, alguns passos são dados para trás e depois recomeçar e que não tem prazo para terminar.
E como todo processo tem que ter o primeiro movimento, que foi o de processar a dor, que foi seguir com o luto, me permitindo sentir a dor, não a anestesiando. E passei por vários movimentos com relação a dor, o de medir, comparar e o de transformar.
Fui aprendendo que há vários tipos de dores que compõem o luto, que não é só a dor emocional, há também a dor física, a dor social e a dor espiritual.
A dor emocional, a terapia e os grupos me ajudam nesse processo, a dor física foi preciso de medicação, a dor espiritual e social foram tratados ao longo da jornada da melhor forma possível.
A dor social foi sentida quando percebi que as pessoas se afastaram e a princípio fiquei muito chateada, mas depois entendi que se você não sabe lidar com a sua dor, imagina quem está de fora, então cuidar dela é um trabalho seu e não do outro.
A dor espiritual foi bem no comecinho do luto, senti que havia sido abandonada por Deus, mas rapidamente percebi que não era bem assim, minha fé ficou abalada, mas voltou a ser como era antes.
E nesse processo o movimento de medir a dor me fez compreender muita coisa, que não há dor maior ou dor menor, há dor e só sabe o tamanho quem a sente, escrevi um tempo atrás sobre isso.
Esse movimento começou quando eu tentei imaginar se a dor que eu sentia poderia ser semelhante a dor que a minha filha dizia sentir. Coisa que nunca saberei, assim como nunca saberei como é a dor em outra pessoa.
E foi inevitável medir a minha dor de mãe e a dor do meu marido como pai, pois dizem que a maior dor do mundo é a dor de uma mãe que enterra um filho, mas e a do pai, também não é tão grande quanto?
Ficava preocupado com ele, eu tenho as minhas formas de extravasar, falando, escrevendo e achava que a forma dele lidar com a dele talvez não fosse suficiente.
Media a dor da minha mãe, já que vó é mãe duas vezes, a dor dela deve ser duplicada, pela minha e pela dela, mas ela não fala no assunto, então evito falar e sempre estou sorridente e disposta quando nos encontramos.
Media a dor do meu pai que foge quando falamos de minha filha, da minha irmã que sempre teve problema com a morte, do meu filho que também não fala da morte da irmã.
Do amigo que estava com ela horas antes dela fazer o que fez.
É como se a minha dor ressoasse na dos outros e a deles em mim.
Nos grupos é comum algumas irmãs e irmãos falarem da dor que sentem pela perda do irmão, do (a) companheiro(a), do (a) amigo (a), da perda da referência e da dor de ver os pais sofrerem e não poderem fazer nada.
O mesmo do pai que sofre pela perda do filho e se compadece com a dor da esposa e o sofrimento fica maior, pois é sempre esperado que o homem não demonstre sofrimento, que cuide da dor da companheira antes de cuidar da sua.
Medir a dor de filhos que perderam a mãe ou o pai e que se sentem abandonados, angustiados, sem rumo.
A da esposa que além da dor da perda do marido, ainda tem que lidar com a dor dos filhos que ficaram órfãos e isso se aplica no caso do marido que perde a esposa.
Então novamente constato que a dor é de quem sente e não há como medir e que cada um vai encontrar uma forma de lidar com a sua dor e assim veio outro movimento a de comparar a dor.
Ouvia histórias de outras mães e comparava com a minha, algumas semelhanças no jeito de ser de minha filha com os outros que partiram da mesma forma através do suicídio.
A dor de quem sabia que o ente querido tinha um diagnóstico e se tratava e de quem não fazia ideia que poderia existir algo tão imenso consumindo quem se foi.
A dor de quem teve uma carta e de quem não teve nada. A dor de quem havia perdido recentemente e de quem havia perdido há bastante tempo.
A dor de quem perdeu o filho único e de quem tem mais filhos e a dor que quem tem medo de que o caso se repita com os outros filhos.
A dor de quem perde alguém jovem e de quem perde alguém com mais idade.
Alguém jovem que não sabe como seguir, e que tem muito tempo para sofrer a perda e o mais velho que acredita não ter tempo para se reconstruir.
A dor de quem não consegue encontrar um alento, um amparo, de quem não consegue se ver mais adiante, a dor de quem ficou no passado, preso no dia do acontecido.
E então entendo que cada caso é um caso e que a dor e o sofrimento são de quem sente, não há dor maior ou menor, há dor e ponto e a dor da morte de alguém que se ama é sentida de várias formas.
Aprendi a importância do enfrentamento e a cada dia percebendo o quanto a dor paralisa e vai dando espaço para sentimentos que se não forem trabalhados, vão corroendo mais a vida de quem ficou e a dor só vai aumentando.
Não há como mudar o passado, há apenas formas de viver melhor o presente, cuidar das feridas para tentar ter um futuro mais ameno.
E fui entendendo que nada seria igual, procurei me adequar à nova vida e estou aprendendo a lidar com a dor, que não é uma tarefa fácil para tirar alguma lição de tudo que aconteceu, para passar para o movimento transformador, ou seja, transformar a dor em algo.
Eu não considero que há beleza nisso tudo, o sofrimento qualquer que seja, não é bonito, bonito é poder lembrar de quem minha filha foi e o que ela significa em minha vida é não deixar a forma como ela morreu apagar a pessoa maravilhosa que ela foi.
E foi nesta fase que percebi que existe um paradoxo, o transformar a dor em amor, pois para mim é devido ao amor que ficou que existe a dor, então precisei aprender a deixar o amor que ficou fluir para assim conseguir seguir adiante e assim é o amor que transforma a dor.
O amor transforma a dor em palavras nas poesias, em músicas, em todo tipo de arte, transforma a dor em ações, em entidades que ajudam na prevenção e na posvenção que ajudam a acolher quem sofre, espalhados por todos os lugares, é o amor que une famílias enlutadas para falar de seus processos de reconstrução em grupos de apoio é o movimento do amor que transforma a dor, foi e sempre será o amor responsável por tudo e é somente o amor que me move.
7 Comments
É incrível como a busca por respostas mexe com a cabeça da gente. Dentro da minha fé, sou espírita e acredito totalmente na imortalidade do espírito. Mas fico buscando respostas/explicações… Algo que justifique alguém passar por dor tão extrema. E nesta necessidade por validar esta aflição, eu viajo e acabo tentando me convencer das coisas mais absurdas, na esperança de que se fiz por merecer, então não é injusto, se errei devo pagar, se pequei muito em outras vidas, sofrer muito nesta é um castigo mais do que merecido. Como se acreditar que merecemos tornasse a dor mais fácil de aceitar, de absorver… E de repente você percebe que está perdida no turbilhão de pensamentos, teorias, pensamentos confusos, insensatos, mas o que importa no fim é que estaremos juntos na pátria espiritual e lá se for ainda necessário teremos as respostas. Hoje podemos não saber o que pensar, ficar flutuando entre sentimentos, teorias, etc… mas o que é fato, é que não estamos sozinhos, porque Jesus, nosso anjo guardião nos guarda e protege, e nossos familiares e amigos nos oferecem o ombro e o apoio necessário…
Sigamos fortes e com fé, mesmo que oscilemos entre humores, pensamentos confusos e tudo o mais… Jesus, nosso guia e mestre, nunca nos abandona, e nossos entes queridos também tem seus amigos e protetores al lado deles.
Chris obrigada por sua mensagem.
Não sou espiríta e já tentei entender o evangelho segundo Kardec mas fiquei mais confusa.
A fé, religião e doutrinas ajudam a tornar a caminhada mais leve e isso que importa.
Um grande abraço.
Terezinha, o espiritismo confunde um pouco no início, mas para mim veio esclarecer as minhas dúvidas e responder minha principal pergunta:/ O que nos acontece é puro acaso? é aleatório?
Mas cada um busca respostas e força a sua maneira, ou cala no nosso coração ou não, Meu marido é ateu, porém é uma pessoa maravilhosa, caridosa, leal… Religião não torna ninguém melhor que os que não possuem nenhuma.
O trecho em que você diz ” não deixar a forma como ela morreu apagar a pessoa maravilhosa que ela foi. ” é essencial nessa minha jornada de enlutada. Nos meus quase 2 anos dessa perda, o que mais me doeu foi isso. Parece que o que ele fez invalidou toda uma vida. Tem um pouco do julgamento das pessoas, do meu próprio julgamento, mas eu estou tentando me libertar disso. Não importa a forma como ocorreu. Ele foi um excelente pai. É muito difícil. Muito difícil.
Renata, obrigada por sua mensagem e sinto muito por sua perda.
Infelizmente existe esse fato de que o ato final da pessoa invalida a vida que ela teve. E por isso muitos não gostam de falar na pessoa, de citá-la e os julgamentos são inúmeros e só quem ama vai perceber que não é assim.
E é importante relembrar os bons momentos, as alegrias que com certeza foram maiores que os momentos tristes, pois só sentimos saudades de quem foi especial, só sofremos pois existe o amor, amor tão grande que fica além da vida.
Um grande e forte abraço.
Olá Teresinha!
Sinto muito pela sua filha…
Achei seu blog na procura por um grupo de apoio na minha cidade São José dos Campos-SP, uma grande pena, não encontrei nada…
Mas encontrei você, e suas palavras acalantaram meu coração hoje…
Perdi minha irmã dia 21/12, e desde então eu e minhas família estamos aos pedaços…engraçado que estava conversando exatamente a respeito com a minha mãe sobre isso horas antes, e ela me disse exatamente o que você escreveu…que o sofrimento dela era em dobro vendo meu pai sofrer…e o meu – pela a perda da minha única irmã, tão nova, cheia de vida e luz, q deixou uma família linda, duas filhas…e pelos meus pais, q hj sofrem muito e eu não consigo fazer nada pra amenizar….
Muitas perguntas….muitos SE…muitas dúvidas nos acompanham hoje….
Tenho pedido a Deus muita sabedoria tds os dias, e que ELE nos mostre caminhos para atravessarmos essa tempestade…
A parte onde você fala ” não deixar a forma como ela morreu apagar a pessoa maravilhosa que ela foi. ” também tem sido essencial para nós…o ato final não pode apagar tudo…..e é nisso que temos trabalhado, em focar nas lembranças boas q ela deixou, q foram muitas!
Não sei quanto tempo vai durar essa dor, o luto….cada um tem o seu, e não temos como pular as etapas….mas tenho fé que nosso Pai irá acalmar nossos corações, e que um dia essa ferida pare de sangrar…assim lembraremos dela com muito amor sem a dor latente…
Um grande abraço, e obrigada por compartilhar sua história….nos faz sentir amparadas, não nos sentimos sozinhas nessa caminhada, e isso nos fortalece na fé..
É bastante confuso os sentimentos que há dentro de nós. Passei pela depressão e sei o quanto ela tira a graça das coisas que antes davam prazer. Nessa minha história de três anos e cinco meses juntos compartilhamos lágrimas e sorriso. Sabiamos o que cada uma passava e inclusive dores parecidas relativo a depressão. Um namorado que não foi somente amigo, mas também que aplicou seus métodos da psiquiatria – Ele era médico – para me ajudar quando o assunto era autoconhecimento. É estranho e confuso saber o porquê dele ter tomado essa atitude. Nunca passou pela minha cabeça que seria alguém tão próximo e íntimo de mim que faria isso. Ele não foi apenas meu namorado. Foi um filho e um irmão de alguém. Nunca vou saber o que se passava em sua cabeça e isso me pertuba. É difícil encontrar conforto mas aos poucos eu estou aprendendo a lidar com tudo.