o-estigma-que-herdamos
Psicofobia, o estigma que herdamos
23/02/2025
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Psicofobia, o estigma que herdamos
23/02/2025

Uma carta do futuro para quem enfrenta o Luto por Suicídio

Para a Terezinha daquele dia em março de 2017,

Escrevo para você de um lugar que hoje, lá de onde você está, parece impossível de alcançar. Escrevo do futuro, desses anos que você não consegue imaginar como vai atravessar. Você que hoje está mergulhada numa escuridão que parece eterna, num vazio que queima e dói como se o peito fosse realmente rasgar.

Sei que você está ouvindo pela primeira vez que sua Marina não vai mais voltar, que está tentando entender o que está acontecendo e como vai conseguir sobreviver sem a pessoa que iluminava seus dias.

Você não está sozinha no seu luto

Quero te dizer que você não vai enlouquecer. Vai parecer que sim. Vai enfrentar os julgamentos. Pessoas vão te machucar com palavras sobre salvação, sobre culpa, sobre condenação. Algumas pessoas vão se afastar porque não sabem o que dizer, não sabem como agir diante desse tabu que é o suicídio.

Mas outras vão te abraçar de uma forma que você nem sabia que precisava. Vai conhecer o lado bom de muita gente, e esse lado bom é maioria, não deixe que os outros te façam esquecer disso.

Aprendendo a carregar o peso da saudade

Vai participar de grupos de apoio e vai descobrir que não está sozinha. Vai conhecer outras mães, outros pais, irmãos, filhos, cônjuges, todos carregando essa dor que não tem comparação. E vai aprender a lição mais importante: cada dor é única. Não existe dor maior ou menor, existe a dor de cada um. E todas elas merecem ser acolhidas, não julgadas.

Você vai ser funcional, mas não como era antes. Sua vida mudou para sempre naquele 14 de março. Mas funcional não significa fingir que está tudo bem, não significa superar ou esquecer. Funcional é aprender a carregar o peso diferente a cada dia. É encontrar luz a cada amanhecer, mesmo quando a escuridão parece absoluta. É se inventar de novo, preenchendo aos poucos o vazio com todo o amor que ficou.

Levará meses para descobrir o significado dessas palavras: “Si us plau, no m’oblidis” mas quando descobrir, elas vão te guiar por um caminho que você nunca imaginou trilhar.

O poder curativo das palavras e da conexão

Você vai descobrir que a escrita tem um poder que você desconhecia. As palavras que você colocará no papel, ou na tela, vão te ajudar a respirar quando o ar parecer impossível de entrar.

As palavras vão te ajudar a organizar o caos que é esse turbilhão de sentimentos que nem conseguirá nomear, culpa, medo, raiva, entre outros e mais do que isso, as palavras vão chegar a outras pessoas que estão tão perdidas quanto você está agora. Você vai criar o blog “No m’oblidis” com o Joseval, e com ele vai fazer conexões com quem caminha no escuro do luto por suicídio.

As lágrimas não vão acabar. Elas vão se multiplicar, é o amor que ficou e que permanece. A saudade vai crescer a cada dia, mas você vai aprender o impossível: vai aprender a viver com esse vazio.

Vai entender que luto é um vazio cheio de tudo, como você mesma vai escrever um dia. Um vazio da ausência física, mas cheio de amor, de memórias, de presença invisível.

Marina vai estar em tudo. Nas fotos em que ela não aparece, nos objetos que deixou, nos livros que leu, nos móveis que ajudou a escolher. Nas músicas que gostava e nas que não gostava. Até no AllStar branco que ficou esperando na lavanderia. A presença da ausência será sentida todos os dias, mas você vai descobrir que nem a morte consegue apagar o amor. Ela vive dentro de você, e isso nada pode mudar.

Você vai fazer coisas que nunca pensou em fazer: vai perder o medo de falar em público, coordenar grupos, escrever e-books, participar de documentários, de congressos. Vai ajudar psicólogos, professores e profissionais de saúde a compreenderem o que é ser um sobrevivente enlutado.

Não será fácil. Nunca. Cada passo será uma mistura de sentimentos. Você terá dias em que vai se perguntar: “Começar, recomeçar ou continuar?”. E vai descobrir que isso não faz diferença, é só mais uma pergunta entre tantas que não têm resposta. O “porquê” você vai carregar para sempre, assim como a saudade.

Até março de 2017, você achava que sabia quem você era. Mas de lá para cá, você vai estar em constante construção, reinventando-se todos os dias. E está tudo bem não ter certeza de quem você é. Está tudo bem-estar em processo. Você é o cacto que cresce em situação difícil, que afasta alguns, mas que também dá flores.

Haverá dias que você vai se sentir muito cansada, pois o luto cansa. Você irá se perguntar se tudo isso vale a pena, mas o Joseval vai estar ao seu lado em todas as horas, como sempre esteve. O Edgard também. E Marina, ela vai estar em cada palavra que você escrever, em cada pessoa que você ajudar, você sentirá que é o amor que transforma a dor em ações.

Marina teria muito orgulho de você. Do que você se tornará. De como vai gritar ao mundo que suicídio não é tabu, é uma morte por suicídio precisa ser falada, compreendida, prevenida. De como você vai honrar aquele pedido que ela deixou: “por favor, não me esqueça“.

E você nunca vai esquecer. Porque como você mesma vai descobrir e ensinar a tantos outros: a imortalidade não está em viver para sempre, mas em permanecer vivo no coração de quem fica e a pessoa não se resume a forma como ela morreu.

A luz vai transpassar a escuridão. Os raios do sol vão aparecer em volta da nuvem. Não hoje, não amanhã, mas aos poucos. E você vai estar lá para testemunhar isso e para ajudar outros a verem que é possível, tenha paciência com você.

Respire. Chore. Escreva. Fale. Viva. Marina está em você, e ela quer que você continue. Não para esquecê-la, mas justamente para mantê-la viva através de você.

Com todo o amor que ficou e que nunca vai acabar.

Da Terezinha que você se tornará.

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