A trilha sonora da vida e do luto
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27/07/2020Retrato na parede
“Um dia seremos apenas um retrato na parede/estante de alguém. Depois, nem isso.”
Não sei exatamente de quem é essa frase, a primeira vez que a li não dei muita atenção e com o tempo toda vez que me deparava com ela, ficava refletindo sobre o que ela queria dizer.
Entendi que com o tempo todos nós seremos esquecidos, as pessoas que nos conheceram irão nos esquecer, irão morrer e assim por diante, até chegar um dia que não seremos mais lembrados por ninguém.
No meu luto, pensar que as pessoas vão esquecer a Marina me dá um certo desespero e é também por isso que escrevo sobre ela e gosto quando alguém lembra de algo que ela fez. Isso me acalenta, me conforta.
A dificuldade
Mas o estranho é que ainda tenho certa dificuldade em ver fotografias dela, mexer em arquivos de fotos me machuca muito, mas ver as fotos dos porta retratos que já estão em minha casa e na casa de meus pais não me maltratam tanto.
Acredito que me acostumei a ver na sala suas fotos, tirar a poeira delas, olhar com carinho e colocar no lugar, mas se encontro alguma foto perdida em algum lugar ou quando recebo alguma que alguém me manda, fico arrasada, ao contrário de ouvir histórias sobre ela.
Para mim isso é muito confuso, na terapia tentava encontrar um motivo para isso, mas até hoje não sei bem o que isso significa e me lembrei de um fato sobre um certo retrato na parede na casa de meus avós paternos e não sei se isso tem alguma ligação.
Na casa onde meus avós viveram, haviam vários retratos na parede, do meu pai, da minha avó, entre outros e tinha um de uma mulher que eu não conheci e que esteve pendurado na parede por muitos anos.
Um dia questionei quem era aquela mulher, minha avó me contou que ela foi a primeira esposa do meu avô e que morou naquela casa.
Meus avôs eram viúvos, e quando eles se casaram foram morar na mesma casa que a falecida esposa e meu avô haviam morado e a fotografia dela estava lá na parede e minha avó nunca tirou e nem meu avô e lá ela ficou, às vezes só trocavam o retrato de lugar.
Lembro que da última vez que reparei nele, ele estava sobre a porta que ligava a cozinha ao restante da casa.
Era apenas um retrato na parede
Eu achava essa história um tanto absurda e disse para a minha avó que eu nunca aceitaria uma coisa daquelas, parecia que o retrato era testemunha de tudo que ela vivia ali e minha avó na maior paciência explicou que era apenas um retrato na parede, que a mulher havia morrido há muito tempo e que mortos não faziam mal à ninguém e que aquele retrato não significava nada para ela.
A muher do retrato morreu no parto do primeiro filho, meu avô sempre tratou a família dela como se ainda fissese parte dela e isso sempre foi muito bacana, os sobrinhos dela o chamavam de tio e minha avó de tia e sempre foram muito queridos por todos.
Acredito que ela significou muito para meu avô e por respeito a isso, minha avó não tirou o retrato tanto que ele ficou naquela casa por anos, casa onde eles construíram uma nova e linda família
Nem mesmo após a morte do meu avô, minha avó tirou o retrato da parede, parecia que aquela fotografia fazia parte da decoração.
Mas um dia a mulher do retrato será esquecida as últimas pessoas que a conheceram vão morrer e não haverá ninguém para falar dela de quem ela foi de como viveu.
Como já expus eu não conheci a mulher do retrato, mas foi como se a conhecesse ao menos um pouco, tanto ao ponto de hoje eu escrever sobre ela, apenas lembrando de seu retrato na parede.
Assim consigo mantê-la viva
E me atrevo a dizer que da mesma forma que eu escrevo e falo sobre a Marina e que muita gente não a conheceu pessoalmente mas me falam que é como se a conhecessem devido aos meus textos e que acredito que assim consigo mantê-la viva, nas minhas memórias e nas minhas escritas.
E eu não quero que a Marina seja apenas um retrato na minha estante ou na minha parede e isso ilustra muito bem a frase que começa este texto e que ouso alterar.
“Um dia seremos um retrato na parede/estante de alguém mas podemos ser especiais ao ponto de marcar a vida e com isso prolongar nossa existência pois só morre quem é esquecido.”
3 Comments
Como no filme que todo enlutado deveria assistir, “Viva! A vida é uma festa”, só morre quem e esquecido!
Meu nome é Élia é meu irmão se matou em 03/08/2020
Meu filho foi vítima de suicídio no dia 12/12/20, tbm sou uma enlutada, ele tinha 30 anos