O luto, vulnerabilidade e a fé
20/03/2022No luto, você sabe que não é o mesmo que era.
13/08/2022Começar, recomeçar ou continuar?
Em praticamente todos os meus relatos sobre a morte da minha filha, falei e escrevi sobre como foi importante conversar com outras pessoas que passaram pelo mesmo, para tentar compreender como elas conseguiram continuar a viver.
Até perceber que continuar não era bem a palavra, não havia como continuar com algo que não existia mais, além da morte da minha filha, morreu também uma vida construída em torno dela, o meu papel desempenhado como mãe, os planos de um possível futuro, o mundo presumido descrito na psicologia.
E quando esta nova realidade foi ficando cada vez mais nítida, doía muito saber que nunca mais minha vida voltaria a ser como era antes e acumulada com a saudade e com todos os sentimentos que uma morte destas traz, só foi fazendo o buraco no peito aumentar ainda mais, por isso a sensação de que a dor e o sofrimento ficaram piores com o passar dos dias.
Achava que recomeçar seria a palavra certa, mas recomeçar significa começar de novo e também é sinônimo de continuar, então lembrava que não tinha mais a mesma vida, não havia como voltar ao ponto de onde ela ficou parada e começar de novo.
Mas eu sempre dizia que estava reaprendendo a viver, reconstruindo minha vida com os cacos da vida anterior, colando o que dava para colar.
Este jogo de palavras que usava e nem entendia por qual motivo e o ato de escrever foi e é, uma forma de colocar minhas ideias no lugar, buscar entender o que sinto, os textos me fazem refletir sobre meus sentimentos e consequentemente sobre minha ações.
E a palavra recomeçar estava em vários lugares, mas eu me recusava a usar, tudo bem em reconstruir, reaprender, em reestruturar, mas recomeçar soava estranho pois para mim, não tinha mais como recomeçar uma vida, eu teria que partir do zero, afinal o luto é uma adaptação, aprender a viver uma vida sem a pessoa que se foi.
Uma confusão, uma sensação de não entender mais as palavras, de que elas não faziam sentido e que não cabiam no contexto atual da minha vida.
Em março de 2019, a querida Elis Conejo, psicóloga do colaboradora do Instituto Vita Alere, me presenteou com um livro do poeta Bráulio Bessa, “Recomece”, ela fez a seguinte dedicatória:
“Que este livro tão sensível possa inspirar reflexões e contribuir com o seu processo de elaboração do luto”.
O livro contém a poesia Recomece, ilustrações de Elano Passos e um convite em cada frase para você construir seu próprio poema.
Na apresentação, Bráulio fala de sua crença no poder de transformação e cura através da palavra e o convite para escrever sobre o que eu gostaria de mudar na minha vida, escrevi:
“Para mim recomeçar é diferente de continuar, continuar pressupõe prosseguir o que se iniciou e recomeçar, fazer de novo, de forma diferente e isso muitas pessoas não gostam…”
Só que não são as pessoas, sou eu que não gosto de recomeçar, pois na minha cabeça confusa pelo luto e pelas minhas bagagens da vida, fazer de novo é fazer algo que não ficou bem feito da primeira vez, a palavra recomeçar me remetia a refazer.
O prefixo RE, para mim é algo contraditório, e ele tem 3 funções, a repetição, o reforço e o retrocesso e eu me apegava demais na função de repetir algo que não ficou bom e de retrocesso, que na minha vivência é algo negativo.
As palavras reconstruir, reaprender, continuar eram as usadas para mostrar minha trajetória e uma frase postada no facebook há 8 anos, que dizia: “permita-se recomeçar” foi que me fez olhar para todos estes singelos sinais do universo e perceber como a vida é feita de recomeços e que o luto pela morte da minha filha nunca foi um recomeço e nem uma continuação e sim o início da fase mais dura e difícil que enfrento.
A continuação de uma vida é no sentido biológico da palavra, ter vida, eu vivo, respiro, mas não continuo com a mesma vida, mudou tudo e o recomeço está na forma que eu tento escrever a minha história, pois ela começou de um jeito e segue um rumo que nunca imaginei.
E foi lendo a frase do psicólogo americano que é considerado o pai da suicidologia Edwin Shneidman que percebi ela faz todo o sentido e é assim que estou conseguindo até agora entender o meu luto:
“A morte de uma pessoa não é somente um fim: é também um começo para os sobreviventes.”
Pode parecer óbvio para quem está de fora, porém é muito difícil para quem passa por essa mudança brusca, não há preparo para a perda de quem se ama e se o luto é, começar, recomeçar ou continuar, cada um vai responder a sua maneira.
2 Comments
No momento, após uma perda dolorosa, estou justamente buscando um caminho. O problema é que para seguir um caminho necessito ‘ler’ as instrucoes de ‘placas’ que me dao conta de uma dislexia até então desconhecida.
Seu texto ja me ajudou a esfregar os olhos e tentar ler de novo.
Obrigado
Há cinco meses me deparei com meu marido morto em casa ao chegar do trabalho…minha vida se desmoronou….todos os meus sonhos caíram…..fui vencida por essa doença chamada depressão….que muitos não entendem o tanto ser a destruição das famílias
Hj estou totalmente deprimida….como seguir sem meu amor…..a saudade….a falta….a solidão….
A única coisa que sinto é vontade de morrer …preciso de ajuda