A imortalidade
22/01/2019Empatia
15/02/2019Clube dos enlutados
Há alguns dias uma pessoa me perguntou se eu havia entendido o ato da minha filha, e se eu acreditava que iria algum dia conseguir superar a morte dela. E que se a Marina tivesse morrido de outra forma se seria mais fácil aceitar o fato.
Fiquei em silêncio por alguns instantes e respondi que entendia o ato como desespero, mas que não a julgava por isso e que não seria mais fácil aceitar a morte se ela ocorresse de outra forma, hoje tenho certeza disso, pois a saudade dela é a mesma.
O emaranhado de sentimentos que fica após se perder um filho deve ser comum em todos os pais, mas por suicídio há alguns agravantes e que definitivamente não se supera a perda de um filho, o natural são os filhos enterrarem seus pais e não o contrário.
Esse diálogo mexeu comigo, pois às vezes eu sinto que algumas pessoas acham que o ser humano é descartável, como a morte é a única certeza na vida e que ela ocorrendo, em um curto espaço de tempo quem fica esquece, não se fala no assunto, como se a pessoa que se foi, fosse apagada da mente e da vida de quem fica em um passe de mágica, e que não é assim.
E isso me fez lembrar que no começo do meu luto eu havia escrito, só que não publiquei, sobre os meus primeiros contatos com a morte, na minha infância, pois devido a cultura de não se falar em morte, tentei resgatar e colocar em ordem minhas ideias com relação ao fato, a primeira vez que vi uma pessoa morta e a primeira vez que fui a um cemitério e que justamente foram mortes de pessoas jovens e que me marcaram para sempre.
No final dos anos 70, um vizinho foi atropelado em uma tarde de domingo por um motorista bêbado, era uma criança, 7 ou 8 anos não me lembro ao certo, pois eu devia ter uns 5 ou 6 anos. Ele era amigo do meu irmão mais velho, tinham a mesma idade, ia no portão de casa chamar meu irmão para brincar praticamente todos os dias. Ele era o filho caçula, tinha uma irmã mais velha já moça e o irmão também bem mais velho.
Naquela época, os velórios aconteciam em casa e não havia a preocupação em não deixar as crianças verem o caixão e o morto. A cena do menino morto nunca esqueci, mas prefiro não contar os detalhes.
Lembro que o atropelador ficou impune. Depois da morte do menino, quase não via mais a mãe dele na rua, mas sempre quando ela encontrava o meu irmão o chamava para conversar. Nós nos mudamos da rua onde morávamos, mas continuamos no mesmo bairro e toda vez que ela encontrava com a minha mãe ou comigo perguntava do meu irmão. Eu achava estranho e acredito que a minha mãe também.
A primeira vez que fui à um cemitério, creio ter sido na mesma época, só lembro que era final de ano, perto do natal. O filho de amigos dos meus pais havia morrido afogado na praia, era jovem, bonito e com um futuro promissor pela frente, além dos pais ele deixou uma porção de irmãs e me lembro da choradeira que foi. Um dia ouvi dizer que os pais iam ao cemitério toda semana e em uma dessas visitas o pai passou mal diante do túmulo, foi hospitalizado mas faleceu dias depois.
Eu era muito criança, não tinha uma real ideia do que era a morte, só fui compreender quando meu avô paterno faleceu, mas isso é uma outra história.
O que quero aqui explicar que hoje eu sei o que aquelas mães sentiram e sentem, consigo dimensionar o sofrimento. Perder um filho é a pior dor que alguém pode sentir e continuar a viver depois de ter que enterrar um filho é muito difícil, independente se for por acidente, doença ou suicídio, a dor da perda é grande, a ausência é sentida todos os dias, passe o tempo que passar.
Hoje eu consigo entender o motivo da mãe do amigo do meu irmão querer falar com ele toda vez que o via, pois sentia nele um pouco da presença do filho, imaginava como o filho poderia estar, e consigo sentir e entender a tristeza dos pais que visitavam o túmulo do filho e que a tristeza pode ter agravado uma saúde já debilitada e frágil do pai.
E consigo ligar a pergunta sobre a superação e a causa da morte a uma fala de uma amiga enlutada que um dia disse que nós pais que perdemos nossos filhos por suicídio fazemos parte de um clube, o clube dos enlutados, um clube da tristeza, onde o título cai no nosso colo, neste clube não há distinção, nele não há classe social, religião, etnia, somos todos iguais, e que uma vez nele não se sai, é um título vitalício, não há opção de passar adiante, não tem como doar, ceder, ninguém quer um título deste clube e tão pouco saber como funciona e só quem perdeu um filho sabe realmente como é e que podemos tentar explicar mas somente quem passou pelo mesmo sabe do que estamos falando e sentindo.
Quem não faz parte deste clube sempre irá imaginar que a superação é questão de tempo, que a ausência pode ser suprida por outro filho, um bichinho de estimação, mudança de residência, cidade, estado e até de país. Não entende que cada ser humano é único e o que um filho representa na vida dos pais nada e ninguém substituirá.
11 Comments
Terezinha, faço parte desse “clube” e concordo muito com o q você descreve. Não tem como explicar. Só exite muita empatia nesse nosso grupo. Tô indo para o meu primeiro ano… com muita saudade. #juliamastrangelomeuamor.
Só queria me sentir conectada com alguém que sente o mesmo que eu.
Obrigada por esse canal.
#vamosfalardesuicidiosim
Lígia mãe da Julia
Perdi meu filho ,sei bem o q é essa dor,e uma dor q não tem tamanho.
E uma brasa no peito e uma flecha na alma
Acabou tudo ,não vejo mais graça em nada
E um olhar triste,e um rosto cansado,
Por mais q eu procuro melhorar ,buscando ajuda psicológica, na fé, no exercício físico, mas medicações, eu não tenho encontrado solução.
Tá difícil!
Tenho duas filhas, sei q elas precisam muito de mim,elas tbm sofre muito .
Na verdade toda a família adoece nessa dor.
Só nós que perdemos e estamos na mesma dor encontramos compreensão neste clube! Luto não se supera, luto se vive, é um processo interior que não tem como pular. .. bjo
Obrigado Terezinha leio tds.materias que vc.publica que serve de apoio e entendimento se posso falar assim espero que vcs.tenham dias melhores para que possa sempre expressar encinamentos
Dezessete meses se passam parece que foi ontem lhe conheci nessa época na vila mariana com seu marido hoje recebi meu filho minha nora e meu neto de jaguariuna enlutados vamos vivendo abcs
Lindo texto. Verdadeiro . Amei.
Que texto maravilhoso no sentido de ensinar,gratidão,estou em busca de ajuda pra minha mãezinha que perdeu o irmão pro suicídio.Estamos sofrendo tanto doi demais! Mas nada compara a dor de vcs, e ainda encontram forças para ajudar.Obrigada!
Hoje faz um mês que perdi minha amada sobrinha, aos 28 anos.
Tudo acabou para mim.
Sinto imensa culpa por tudo, ppis sempre a julgueo, a cobrei porum sucesso que não tem nenhima importância.
Sinto-me a pior pessoa do mundo. Eu a amava e amo tanto, mas nunca consegui demonstrar.
Morri com ela.
Hoje ……acordei❣o calendário revela que faz 7 anos que caminho sem a Gabriela….o coração fala outra coisa …..algo perto de 7dias, hora, meses…..não sei❣ o tempo do coração é sem tempo……. é um Kairos…… tempo,onde o tempo para pra sentir, pra simplesmente ser❣
Hoje……ele é dor imensa de saudade…..que foi ontem e será amanhã 💔💞💞
Perder um filho é a pior dor que alguém pode sentir e continuar a viver depois de ter que enterrar um filho é muito difícil, independente se for por acidente, doença ou suicídio, a dor da perda é grande, a ausência é sentida todos os dias, passe o tempo que passar.
É isso
Já perdi muitas pessoas da família, inclusive pai e irmãos, mais perder um filho por suicidio foi a pior dor que senti , sinto como se tivesse uma faca cravada no meu coração … uma dor constante, me identifico com esse texto, guando encontro os amigos do meu filho Filipe, a presença dele se faz presente. 2 anos e 4 meses parece que foi ontem