Amor além de nós
22/10/2018Um ano de Blog
19/11/2018E passou o feriado de finados, o segundo em que a Marina não está mais aqui. Não fui ao cemitério, ela não gostava de flores em vida e eu não tenho o costume de levar flores ao seu túmulo, ela dizia que flores não combinavam com ela e orações eu faço todos os dias e em qualquer lugar.
Só fui ao seu túmulo em poucas ocasiões, não é frieza, pelo contrário, é ter que buscar forças de onde não tenho para poder chegar perto do local onde ela está enterrada. Nas vezes que fui, me senti tão mal que percebi que ainda não estou preparada para isso.
Aliás, é pela dureza da certeza que o corpo dela jaz ali, no frio da sepultura, que eu não consigo ir até lá. Nunca em meus piores pesadelos imaginei ter que viver depois da morte de um filho e cemitério para mim é um lugar que aguarda por nossa passagem, inevitável mas em nossa família havíamos pedido para sermos cremados, mas devido ao tipo de morte e ao processo que ainda corre, o corpo da Marina precisou ser sepultado e eu não gosto de pensar que o corpo de minha filha está ali cercado por terra.
Um dia depois do dia de Finados, encontrei entre alguns livros que estavam em caixas de arquivos, um caderno que ela usou em 2010 quando estava estudando no oitavo ano. Era um caderno de Língua Portuguesa, Inglês, História e Biologia.
Meses antes de sua partida, ela havia feito um bota fora, colocou muitos cadernos antigos para reciclagem, doou vários livros, fez uma espécie de leilão, postou os títulos e perguntou quem de seus amigos queria os livros, quem respondia logo, ficava com os melhores, ela tinha o costume de se desfazer dos caderno e eu me surpreendi ao encontrar este que estava guardado.
Nele havia alguns desenhos, letras de músicas, uma inclusive que falava de suicídio e uma oração escrita em Latim a “Ave Maria”. Fiquei extremamente emocionada. Marina não era religiosa e nesta época ela já era muito contestadora com relação a doutrinação religiosa.
No luto, tudo parece tomar uma dimensão muito grande, tudo parece ter um significado que se fosse em outro contexto eu não daria a devida atenção. Não sou religiosa, tenho minha fé, mas quando se trata do mistério da morte, principalmente quando se perde alguém de tamanha importância e da forma como ocorreu, fica sempre uma série de questionamentos e a busca incessante por respostas pode dar um rumo para alguns, que acalenta e para outros, que atormenta.
No meu caso procuro ver tudo de forma que sempre vi, ainda não possuo uma definição sobre nada, creio que o maior mistério da vida seja a morte, o que acontece depois e me apegar na minha fé de que hoje Marina descansa e que mal nenhum a alcança, de certa forma me conforta.
Outra coisa que ocorreu estes dias, foi a Polícia Civil ligar pedindo novamente o prontuário médico do primeiro atendimento que a Marina teve no Hospital onde ela deu entrada, acessar essas lembranças me machuca muito e foi devido a esse processo criminal que corre, que não pude cremar o seu corpo.
Mas enfim, a vida que segue, os dias que passam, vou envelhecendo, lembrando de coisas boas, de outras nem tanto, mas buscando viver os dias que me restam de forma a homenagear minha filha, não só no dia dedicado aos mortos, sem flores, mas com palavras e ações em todos os dias de minha vida.
9 Comments
Terezinha, muito obrigada por seus relatos, muita luz e paz sua caminhada.
Também perdi minha filha, Maria Elisa aos 15 anos para o suicídio, em dezembro de 2016 – fico impressionada como a história de Marina se parece com a dela….quando leio seus relatos, é como se fossem meus … características, comportamentos e ideias das duas se cruzam o tempo inteiro…..
Sara, apesar de sermos seres únicos, há algumas características e comportamentos bem parecidos que nossos entes queridos tinham, neste um ano e 8 meses que sou uma enlutada sobrevivente, ouço sempre histórias semelhantes a minha, parece que descrevem a Marina em sua forma de agir e de ver o mundo. São sempre pessoas amáveis e extremamente sensíveis, pessoas tão boas que destoavam com esse mundo repleto de maldade e injustiças. Um forte abraço e força para você.
Terezinha, também não consigo ir no túmulo do Bruno, evito ao máximo o caminho do cemitério. Me dá um desespero imaginar o corpinho frágil do meu filho lá, sozinho, sem que eu não possa fazer mais nada. Ele também não gostava de flores, contestava as religiões, era contrário a qualquer possível tipo de manipulação das pessoas.
Como os dias tem sido difíceis pra mim, uma saudade infinita e uma vontade de abraçar, de dormir e não acordar mais.
Um grande abraço
Beth, também tenho a mesma sensação de desespero, precisei voltar ao cemitério algumas vezes, mas não consigo chegar perto da sepultura, das vezes que tentei, foi muito difícil.
Quanto a religião, na época deste caderno ela estudava em escola Cristã, mas não era escola católica e ela reclamava muito das aulas de religião. Creio que a oração da Ave Maria foi uma forma de rebeldia, pois os professores eram todos da religião da entidade e eles davam vistos nos cadernos.
Tem dias que a saudade é muito grande, mas vou seguindo em frente. Abraços.
Oi, este foi o segundo finados depois da partida da minha filha Thaís, penso parecido contigo, mas sempre me questiono se estou fazendo a coisa certa. Este ano não fui no túmulo dela, ela está no jazigo da minha família em outra cidade, pedi para minha cunhada levar flores e eu quis fazer algo diferente . Escolhi um desenho que ela fez e montei um cartão de agradecimento, aos que de alguma forma tocaram a vida dela e guardam sua lembrança no coração e também estão ao nosso lado nos amparando. Comprei flores brancas e enviei com o cartão para alguns destes amigos. Eu não tenho uma religião, mas sou espiritualizada, do meu jeito , e a acho que Thaís gostaria que eu fosse sincera e não que fizesse coisas só pelas convenções. Eu lembro dela todos os momentos, todos os dias e isso é o que vale. Assim passou mais uma data e a vida segue. Minha melhor oração é tentar seguir a vida da melhor maneira possível. Um abraço.
Maria Tereza, as vezes penso assim, será que estou fazendo o certo? Mas sempre chego a conclusão que sim, o que ficou na sepultura é apenas a matéria, ela não está ali, apenas o corpo. Mesmo assim é difícil demais chegar perto.
Linda a sua atitude de enviar flores para os amigos e por mais difícil que possa ser precisamos fazer com que nossa dor seja abrandada com formas sutis de demonstrar amor ao próximo, isso é uma homenagem a quem nos ensinou tanto o que é o amor e ainda continua a ensinar. Um grande abraço.
Oi Terezinha como sempre me emocionando , também não consigo ir ao cemitério , faço minhas orações, vou à igreja acendo velas, mas ao cemitério nem pensar, 💋💋❤️❤️❤️❤️❤️
Ah Inês, e vamos nós vivendo as duras penas um dia de cada vez, uns dias melhores outros nem tanto, mas reaprendendo a viver. Que nossas orações acalente nossos tão sofridos corações e a luz consiga iluminar nossos passos nos dando uma forma nova de ver e seguir a vida.
Um abraço bem apertado.
Também não vou ao cemitério, pq não é real, ainda não acredito que aconteceu. Desde que vi minha mãe morta sabia que ela não estava mais ali. Sinto também o mesmo que a Beth, vontade de dormir e não acordar. Todos os dias qdo acordo é um pesadelo.