
Reflexões sobre o Luto e o Plágio
19/05/2023Psicofobia, o estigma que herdamos
Enfrentando o Silêncio Familiar sobre a Saúde Mental
Há dias que tento escrever alguma coisa sobre fatos ocorridos de uns meses para cá e não conseguia transmitir pela escrita o meu raciocínio.
Talvez porque o que tenho a dizer não fale apenas sobre mim e sobre meu luto, mas sobre uma realidade que há anos me assombra devido a uma criação baseada nas crenças de um deus punitivo que amaldiçoa pessoas com doenças.
Minhas Primeiras Experiências com Transtornos Mentais na Família
A história de minha família é uma história como de muitas outras, meus pais, nasceram e foram criados na roça, no interior de Minas Gerais, eles são parentes, tinham os mesmos bisavós, que é sobre essa árvore genealógica que quero contar um pouco do que fui descobrindo.
A família era muito católica, mas acreditava em maldições e punições, onde a religião era um refúgio e a fé na verdade mascarava a procura de ajuda especializada e o que perdura até os dias de hoje.
Os Primeiros Sinais de Silenciamento
Meu primeiro contato com o transtorno mental foi na infância, ao saber que uma prima dos meus pais havia sido internada por “falar demais”. Mais tarde, outra jovem da família passou pelo mesmo. O irmão dessa primeira parente, que tinha problemas com álcool, também começou a falar demais e foi internado. Sempre que perguntava o motivo, ouvia respostas vagas, “problema nos nervos”, era a mais comum. Eu não entendia como isso poderia ser um problema.
Já mais velha, fiquei sabendo que na verdade o que essas pessoas tinham era esquizofrenia, mas como nenhuma pessoa da família realmente entendia sobre isso, era um assunto proibido de falar.
Volta e meia, chegava a notícia de que algum parente estava agindo inadequadamente e falando demais, e mais tarde que havia sido internado, e era algo que deixava os adultos consternados, mas às vezes surgiam umas piadas, do tipo “o menos doido, junta pedra para jogar nos aviões”.
Ficavam tentando descobrir por qual motivo ela se manifestava em alguns, maioria mulheres adultas, nos homens, problemas com álcool era o desencadeador, mas nunca ninguém diretamente afetado falava sobre o assunto, era como se aceitassem como uma pena, uma cruz para carregar, como se na casa que tivesse alguém com o problema, era como um castigo de deus.
O Medo do Diagnóstico e os Desafios no Cuidado com Meu Filho
Eu fui a segunda da geração nascida nas décadas de 1970 a ter filho, e com 6 anos meu filho começou a apresentar um comportamento diferente das outras crianças, psicólogo o diagnosticou como hiperativo e o tratamento era a psicoterapia. Neste tempo, a diretora da escola me falou que eu deveria levá-lo a um psiquiatra, o que me apavorou.
Cheguei em casa aos prantos, conversei com minha mãe e resolvi conversar com uma prima e ela me apresentou um assistente social, conversei com ele e ele me disse que se eu levasse meu filho a um psiquiatra, eles iriam dopá-lo.
Como eu não tinha informações, acreditava em pessoas que para mim eram mais capacitadas pois haviam estudado, na psicologia e no assistente social e confiei no que eles falavam, mas no fundo eu tinha muito medo de que meu filho não fosse “normal”.
Na adolescência, precisamos levá-lo a um psiquiatra, pois ele começou a ficar recluso, e foi diagnosticado com depressão, em uma das consultas, foi perguntado se havia alguém na família com transtorno mental, eu respondi que havia casos de esquizofrenia na família.
O profissional então, receitou além da medicação para depressão, uma outra medicação para esquizofrenia que deixou meu filho sem dormir por três dias, foi preciso levá-lo ao pronto socorro para pedir ajuda, ele nem andar conseguia, foi suspensa a medicação e na volta ao psiquiatra, foi dito que os efeitos colaterais poderíamos ter esses mesmo, mas a esquizofrenia havia sido descartada.
Talvez no meu inconsciente, tenha desenvolvido um medo tão grande de que alguém fosse esquizofrênico, que não admitia de forma alguma ver em meus filhos algum traço, e não só eu, via isso em outros núcleos familiares, onde o assunto sempre foi silenciado.
E na família do Joseval a história não é tão diferente, assunto relacionado aos antepassados é obscura, não se fala e quando não se fala, criam-se especulações, suposições.
Só depois de adulto, recebemos o diagnóstico de que meu filho tem, na verdade, transtorno do espectro autista, que também tem casos na família.
A Dor do Luto e as Descobertas Ocultas na História Familiar
Enfim, por que estou aqui narrando tudo isso, quando Marina apresentou problemas, eu fui a mãe coruja que não enxergava traços de que algo estranho estava acontecendo, por medo ou sei lá o que, porém procuramos ajuda, mas infelizmente a ajuda foi com profissionais que não sabiam como ajudar.
O Suicídio e as Revelações Silenciadas
Quando ela morreu por suicídio, tentei levantar o maior número possível de informações sobre saúde mental da minha família, descobri algumas histórias de suicídios que foram abafados, e transtornos mentais eram aquelas que já sabia, menções vagas e desconexas da realidade.
Lembro que ouvi de alguém depois da morte da minha filha, a seguinte pergunta: Na sua família tem muita gente doida não é?
E não era uma pergunta feita para ter uma resposta esclarecedora, mas sim para constranger e atribuir loucura a quem se mata.
O Passado Reprimido: Um Capítulo Esquecido
Meses atrás recebi de uma prima, uma dissertação de mestrado que fala do tombamento da fazenda que foi dos nossos tataravós, a Fazenda da Limeira, na cidade de Guaraciaba, Minas Gerais e neste documento, está escrito que um filho desse casal, vivia trancado em um quarto da propriedade por ser esquizofrênico, e por conta disso era chamado na época de louco, que recebia o alimento por um buraco feita na porta e que as necessidades fisiológicas eram feitas por abertura no assoalho do quarto, e isso me fez pensar em muitas coisas.
O Impacto do Estigma e a Necessidade de Falar sobre Saúde Mental
Principalmente que a psicofobia muitas vezes não vem de fora, mas de dentro da própria família que não fala abertamente sobre isso, e que não vem apenas de desinformação, da ignorância em achar que doenças da mente são maldições e castigos de deus, e isso traz um medo de encarar a realidade, talvez o medo de julgamentos, de não saber lidar com eles.
Nestes tempos mais recentes, as notícias de que um parente aqui e outro alí, passam por sérios problemas, internações, só mostram o quão sério é o problema e ainda é tratado com preconceito por alguns membros da família.
Reflexões Finais: Enfrentar o Medo e Construir uma Rede de Apoio
O medo de falar abertamente prejudica a forma de cuidar e o apoio que pode-se ter de quem realmente se compadece com esse tipo de situação.
A realidade de que a família linda de porta retratos e de propaganda de margarina, não existe, a de verdade tinha e tem problemas sérios vindo lá do século passado, que mesmo trancando em um quarto, que muita gente fingia não haver e que preferia esquecer, um dia ela saiu em uma Dissertação de Mestrado da Universidade Federal de Viçosa, e escancarada para muita gente ver.
E tentar equilibrar o que realmente é transtorno mental ou o que é não saber lidar com problemas cotidianos, é importante. Tem coisas que uma boa terapia ajuda, mas para outras precisa haver um conjunto de atitudes a serem tomadas, e isso não é maldição ou vergonha, e nem destino ter um transtorno mental.
Aprendi que não adianta apenas se enclausurar em uma igreja e pedir a cura, a fé ajuda. Mas a verdadeira esperança de mudar as coisas está na coragem de enfrentar o estigma, buscar informação e construir uma rede de apoio que acolha a complexidade da mente humana.
2 Comments
Terezinha, ótimo texto e muito refletivo. Eu tenho sérios problemas com a Ansiedade quando não estou medicada. São crises que me fragilizam e impactam no meu meu dia a dia. Demorei muito pra aceitar que preciso de medicação para ter uma vida saudável, pois a frase que mais ouvia, deste a minha infância, era que Psiquiatra cuidada de pessoas loucas e que na minha família havia muitos familiares com “doença de cabeça”. Infelizmente, os transtornos mentais, ainda é um tabu na sociedade.
Me vi em seu relato, Terezinha!
Sou fruto de uma família com sérios transtornos mentais e suicídio. Em 2021 perdi meu único irmão desta forma tão trágica e devastadora. Sigo sua página e me sensibilizo com seus conteúdos.
Um dia de cada vez.
Abraços.