
Uma Carta do Futuro para Quem Enfrenta o Luto por Suicídio
22/10/2025A culpa (sempre) é da mãe?
Quando a ausência da mãe choca
Conheci uma pessoa que, em seus documentos, no lugar do nome da mãe, constava: mãe desconhecida.
Aquilo me chocou. É comum ver “pai desconhecido” mas não mãe. Tanto que, entre pessoas homônimas, o nome da mãe é o que diferencia uma da outra.
Fiquei fazendo mil suposições sobre os motivos que levaram aquela pessoa a não ter o nome da mãe em seus documentos.
Talvez a mãe tivesse morrido no parto, e o pai não quis registrá-la. Talvez ela não quisesse assumir a maternidade e entregou o filho ao pai, que não quis colocar o nome dela no registro. Ou talvez fosse um caso de barriga solidária, algo impensável para a época.
Nunca tive coragem de perguntar o motivo. Parecia invasivo demais. Eu não tinha intimidade suficiente, e por pura curiosidade, não me sentia no direito de fazer uma pergunta tão íntima.
Quando a ausência é do pai, tudo parece “normal”
Nunca mais encontrei alguém que tivesse em seus documentos: “Mãe desconhecida”. Porém, já perdi a conta de quantos tinham “pais desconhecidos”.
Conheci alguns pais que ficaram com a guarda de seus filhos, posso contar nos dedos de uma mão, e esses, quase sempre, são considerados heróis, exemplos de responsabilidade e admiração.
Já as mulheres… as mulheres são julgadas de outro modo.
Em nossa sociedade ocidental, moldada pela moral cristã, foi a mulher quem, segundo a narrativa bíblica, ofereceu o fruto proibido ao homem, para assim desobedecerem a Deus, são historicamente apontadas como culpadas por tudo, e as mães solos ainda mais, são culpadas até por existir.
Freud, a maternidade e a culpa
Com Freud e toda a influência de sua teoria, surgiu a ideia de que a mente humana se forma na relação com a mãe.
Conceito que, nas mãos de muitos de seus seguidores, acabou sendo usado de forma distorcida, e passou a ser usado para culpar as mulheres por quase todos os problemas dos filhos.
Nos grupos de apoio aos sobreviventes enlutados por suicídio, a maioria formada por mulheres, vejo essa culpa de perto.
Muitas se culpam e também são julgadas como culpadas, entretanto as mães solos, se sentem ainda mais culpadas por acharem que os filhos sofriam por não ter tido um pai presente, acreditando que isso possa ter contribuído para a morte por suicídio.
Recentemente, uma operação do estado contra o tráfico de drogas nas comunidades do Rio de Janeiro, deixou mais de 100 mortos, entre policiais e supostos traficantes.
Assisti um vídeo de um rapaz ligado a um movimento político conservador comentando o caso.
Apontava o dedo e dizia que a culpa das mortes é das mães, que “não criaram seus filhos direito” ou “não souberam escolher os pais”, Isso me deu náusea.
Ver mães desesperadas tendo seus lutos invadidos e invalidados, me causou mal estar, repulsa.
Esse tipo de acusação é cruel e claro, cheio de intenções para levar a debate algo recheado de preconceito social.
E as mesmas pessoas que falam que maternidade solo é um erro, pois “gera bandidos”, são os que falam ser pró-vida e contra o aborto.
Mas que na verdade só escondem a misoginia, o ódio às mulheres. E é lamentável que pessoas se aproveitem de momentos de dor de muitas mulheres, para sapatear não só sobre os cadáveres, mas sobre a humanidade que fingem possuir.
O que sobra de humanidade nas mães culpadas
Talvez esse rapaz misógino do movimento político, assim como tantos outros, sonhem com um mundo melhor se mulheres fossem só para satisfazer seus desejos, procriar e que entregassem seus filhos aos genitores.
Um mundo “perfeito”, harmonioso, onde tudo parece estar no lugar — menos a humanidade.
Mas o mundo real, nosso mundo é feito de mães que choram, amam, lutam, erram e continuam, mesmo quando todos dizem que a culpa é delas.
E talvez seja justamente nelas, nessas mães tão injustamente culpadas, que ainda resista o que resta de amor e humanidade neste tempo tão cruel.


